'Sonho acabou', dizem ex-funcionários do hotel Ariaú à espera da Justiça
Ao todo, 150 processos contra o Ariaú Towers tramitam na Justiça do Trabalho. O empreendimento - construído em meio à copa das árvores, no interior do Amazonas - foi um dos mais conhecidos hotéis do mundo. Atualmente, ele é um conjunto de ruínas na floresta amazônica. Enquanto aguardam resultados de audiências, ex-funcionários pensam em opção para mobilizar turismo e gerar renda para ribeirinhos, dizem ter saudades e lamentam: "sonho acabou", diz Adonias Trindade, que entrou para o quadro do Ariaú com o desejo de conviver com celebridades que se hospedavam no imóvel, que foi a leilão por R$ 26 milhões em 2016.
Uma das filhas do proprietário do hotel, Francisco Ritta Bernardino, informou que o pai, hoje com 84 anos, passa por problemas sérios de saúde. Ela disse ainda que a crise econômica afetou o empreendimento fechado em 2016. Advogada afirma que declínio iniciou em 2005.
De acordo com informações do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª. Região (TRT-11), 150 processos tramitam contra a empresa River Jungle Ltda, responsável pelo hotel. Entre as principais reclamações de ex-funcionários estão: não pagamento de salários, horas extras e não cumprimento das normas de rescisão.
(Foto: Arquivo Pessoal)
Do sonho ao pesadelo
Mesmo sem receber, ex-funcionários dizem sentir saudades e comentam sobre o apogeu do empreendimento que já hospedou celebridades, entre elas: Alanis Morissette, Príncipe Charles, Gisele Bündchen e Bill Gates.
O G1 ouviu as histórias de algumas pessoas que figuraram entre funcionários do hotel. A maioria mora em comunidades ribeirinhas nos municípios de Iranduba e Manacapuru, na Região Metropolitana de Manaus.
"Logo no começo, era um sonho trabalhar no Ariaú. Eu trabalhava com celebridade, todo final de semana muita gente famosa. Já essa última gestão, já não foi esse sonho. Passei cinco meses e 9 dias sem receber, então, foi uma tortura", disse o desempregado Adonias Trindade, de 39 anos, que se manteve com dinheiro de gorjetas no período e, hoje, faz bicos como garçom duas vezes na semana. O dinheiro que consegue ajuda na criação do filho que nasceu pouco antes dele ser demitido.
Trindade recebeu a reportagem do G1 em um apartamento do Minha Casa, Minha Vida – dividido com outras cinco pessoas da família em Manacapuru. Ele fez questão de vestir a farda que usou no hotel por 1 ano e 2 meses, mesmo depois de mover um processo contra o empreendimento. "Trabalhava com amor", afirma.
"A gente vai na Justiça. Eles [representantes do hotel] não comparecem, a minha audiência era dia 9 de novembro e não compareceu ninguém. Passou agora para 20 de fevereiro não sei como vai ficar. A minha indenização deu R$ 15.941. Meus cinco meses de salário atrasado, meu Seguro Desemprego, 13º que não pagaram. Conto as horas e minutos para chegar minha audiência para ver se recebo. Tenho dívidas de quando minha mulher estava grávida. Meu filho hoje tem 1 ano e 1 mês", disse Trindade.
O segundo encontro com o juiz na comarca de Manacapuru, na segunda-feira (20), também não contou com a presença de representantes do hotel, de acordo com Trindade.
Mais antigo
Atualmente, Romildo da Silva Torres, de 50 anos, ganha a vida como barbeiro, na Vila Ariaú. Ele foi um dos primeiros funcionários do hotel e exerceu as funções de auxiliar de carpinteiro e canoeiro entre 1982 e 2008.
"Sou o segundo funcionário mais veterano do Ariaú. Trabalhei na construção do hotel, da primeira torre (...). O sentimento hoje é de tristeza. O Ariaú é muito famoso e deu muito emprego para comunidade do Ariaú. Hoje em dia, eu fui lá visitar e o que eu vi foi muita tristeza. A gente, como iniciou, e ver como se encontra é tristeza total", conta.
Torres, que teve seu primeiro emprego no hotel, sente esperanças de ainda ver o Ariaú reativado. "Eu espero que eles retornem o tempo passado e torne a funcionar de novo. É um hotel que deu muito emprego e se acabar assim de uma hora pra outra deixa tristeza na gente", acredita.
Pai e filho
O padeiro Jonatan Pedrosa, de 21 anos, também teve seu primeiro emprego de carteira assinada no Ariaú. Ele trabalhou lá por cinco meses, até agosto de 2016. Ao lembrar das gorjetas e do contato com turistas, o jovem diz que - se houvesse a possibilidade - trabalharia novamente no hotel.
"Se ele voltasse a ser como era antes eu voltaria. Pegava das 5 horas até umas 10 horas, ia almoçar e voltava 3 horas [15h] até umas cinco [17h]. Fica lá mesmo. A escala era 12 dias lá e quatro dias aqui. Essa era a rotina. Eu fazia minhas coisas logo cedo, aí ia passear e ajudar turistas e ganhava minhas gorjetas. Não chegava a ser maior que o salário porque eu não ficava direto com os turistas. Quando chegava o final dos 12 dias tinha um dinheirinho que dava pra vir pra casa. Uns 200, 180 dólares", relembra o jovem.
O pai de Jonatan, Valmir dos Santos Oliveira, de 52 anos, também foi padeiro no Ariaú entre janeiro 2007 a maio de 2016. Ele diz que construiu sua casa, em Manacapuru, com salários recebidos no hotel.
Atualmente, Valmir espera receber uma indenização de aproximadamente R$ 33 mil para abrir uma panificadora. Ele aceitou acordo com hotel em audiência realizada em Manaus na última semana.
Do Haiti ao Amazonas
Révolus Juvenson, de 28 anos, atuou como recepcionista no Ariaú por três anos, desde janeiro de 2013. Ele trabalhava para auxiliar familiares no Haiti.
“Eu estava sozinho na recepção fazendo tudo. Começava a trabalhar a partir das 6 horas da manhã até 9, 10 horas da noite. Eles não me pagavam nem hora extra, nada. Bom, ao final, não recebi minhas férias, eu não recebi seis meses trabalhados. Na demissão, não recebi FGTS, não recebi nada até hoje. A empresa está me devendo quase R$ 25 mil do meu salário (...) Imagina eu sozinho na recepção fazendo tudo, receber cliente de todos os países, só eu, fechando caixa, fazendo tudo e ao final não receber nada?”, questionou Juvenson.
Ele decidiu se mudar para os Estados Unidos e optou por não acionar a Justiça brasileira. “A lei do Brasil é um pouco lenta, né. Não coloquei na Justiça, só que eu entreguei meu suor nas mãos de Deus. Eu não queria fica no Brasil por esse dinheiro, que não nem sei quando eu iria receber. Eu não me importo mais com meu dinheiro, mas quero que os outros funcionários recebem o salário deles”, completou.
Justiça
Alguns dos ex-funcionários afirmam que não possuem recursos para pagar advogados. O defensor Carlos Almeida Filho aponta a ação coletiva como uma alternativa.
"A rigor, podem procurar a Defensoria Pública nessas duas comarcas e moverem ações trabalhistas porque existe essa previsão na nossa lei estadual, a Lei Complementar 01. Existem defensores públicos em Manacapuru e Iranduba, então eles podem ser procurados para tanto. A demanda coletiva também pode ser realizada a priori por conta desse contato. É bom destacar que pelo menos as demandas trabalhistas coletivas são tratadas a priori pelo Ministério Público do Trabalho", disse o defensor.
(Foto: Leandro Tapajós/G1 AM)
O G1 conseguiu números de telefones de dois advogados que atuam na defesa do hotel em processos, mas as ligações não foram atendidas. Outra advogada que atua em várias ações não tem seu contato telefônico disponível no site da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Ao programa Fantástico, a advogada Ana Selma Pinheiro disse que os problemas financeiros iniciaram há mais de uma década.
"O Ariaú começou a trabalhar no negativo, no vermelho, a partir de 2005. Então de lá para cá, a despesa era muito maior que a receita", afirmou a advogada.
Causas do fechamento
Uma das filhas do proprietário do hotel, Ellen Ritta, conta que o fechamento ocorreu após o empresário Francisco Ritta Bernardino adoecer.
“Em 2015, ele caiu a primeira vez, teve uma pneumonia bilateral, depois teve inflamação no pulmão. Com isso, a saúde dele caiu muito. Ele teve dois AVCs, ficou na UTI internado. Tudo isso aconteceu. Saúde muito delicada. Ele está interditado. Ele não anda, está com lado esquerdo paralisado por conta do Acidente Vascular Cerebral”, disse ao G1.
Ellen, que também chegou a atuar na administração do hotel, afirma que a falência foi influenciada pela baixa procura de turistas nos últimos anos.
“Fico muito triste de ver, mas o que levou o hotel a destruição realmente foi a crise. Nós não tínhamos mais turistas, Manaus não tem turistas, vários hotéis fecharam, os principais hotéis de selva fecharam. Então, é muito complicado você sustentar um hotel na selva. É muito caro. Você pensar que tudo o que chega lá chega através do barco. Tudo isso é caro, encarece, mas o impacto social é maior que qualquer coisa", disse.
Impacto e alternativa para ribeirinhos
Ellen Ritta lembra ainda que a presença do hotel influenciava na vida dos ribeirinhos que viviam nas proximidades do empreendimento. "Era um hotel que dava trabalho para todo aquele povo daquela região. Eram mais de dez comunidades atendidas pelo hotel, com emprego, com luz, com sinal de telefone, internet, tudo isso o hotel fornecia para as comunidades. Agora, eles estão lá isolados”, afirma.
Vila Ariaú (Foto: Leandro Tapajós/G1 AM)
O comerciante Luiz Henrique de Oliveira, de 40 anos, compartilha de opinião parecida com a de Ellen.
“O pessoal, não só daqui [da Vila Ariaú, em Manacapuru] como os ribeirinhos das comunidades [ribeirinhas localizadas próximas ao hotel eram beneficiados]. Lá era o meio deles ganharem o pão de cada dia. Era um setor que gerava muita renda, principalmente [para o] pessoal que plantava, vendia farinha, o açaí. O hotel abençoava muita gente. Mordia uma cobra lá pra dentro de um igapó, era nós que ia lá (sic), botava ele na canoa, levava para Manaus. Nessa área o hotel ajudava muito”, afirma Oliveira, que é dono de uma lanchonete na feira da Vila do Ariaú, em Manacapuru, e trabalhou no hotel como canoeiro entre 2004 e 2006.
Segundo Oliveira, os comunitários - entre eles ex-funcionários do hotel - estudam a possibilidade de montar um flutuante na vila, que funcionaria como balneário, para retomar a atração de turistas e gerar renda.
Leilões sem lances
Além dos processos no TRT-11, uma ação judicial contra a empresa River Jungle Ltda, proprietária do hotel foi movida há 10 anos na Justiça do Amazonas. O processo tramita na 2ª Vara da Comarca de Iranduba (Cível) sob o número: 0003348-61.2013.8.04.4600. A ação trata da cobrança de dívida no valor aproximado de R$ 1,5 milhão, visando reembolso à requerente de valores referentes ao Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Após a ação, três leilões que permitiam a aquisição do hotel foram realizados. O primeiro deles em 12 de janeiro de 2016 com lance mínimo de R$ 26 milhões. O segundo ocorreu em 22 de janeiro do mesmo ano com lance mínimo de R$ 13 milhões, valor 50% menor que o apresentado na 1ª avaliação do imóvel. O último leilão foi em 3 de agosto do ano passado, com mesmo lance do anterior.
De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJ-AM), não há agendamento para próximos leilões.
(*Colaboraram Andrezza Lifisitch e Ive Rylo, do G1 AM)